Neliane Cunha*
A Educação Integral, em seus
aspectos pedagógicos e sociais, vai além do conceito de escola em tempo
integral. Deve-se considerar a amplitude que a Educação Integral traz tanto para
o trabalho pedagógico, que visa o desenvolvimento de crianças e jovens, quanto
para a sociedade, vindo ao encontro da concepção progressista da educação, numa
tendência libertadora que promove o caráter abrangente da escola, vinculando-a
à luta e organização de classe, onde também a autonomia das mulheres no mundo
do trabalho é imprescindível para todas e todos.
O debate sobre Educação
Integral no sistema público de ensino do Brasil tem sua origem em 1932, tendo
como referência Anísio Teixeira, considerado como o principal idealizador das
grandes mudanças que marcaram a educação brasileira, pioneiro da escola pública
em todos os níveis e fundador da Escola Parque. Essa proposta tem como marco
legal a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que aponta a Educação
Integral como um aumento progressivo da jornada escolar, valorizando as
iniciativas educacionais extra-escolares e a vida em sociedade.
Em seus aspectos pedagógicos a
Educação Integral prevê melhorias nos quadros de reprovação, com redução do
fracasso escolar; propicia a construção coletiva e o constante acompanhamento
do Projeto Político Pedagógico; traz novas abordagens para o trabalho de
educadoras e educadores, promovendo transformações curriculares, das diversas
ações e da avaliação. Esses resultados visam a reorganização do tempo e espaço
no ambiente escolar, a formação profissional, a articulação entre os diferentes
saberes e a relação entre escola e comunidade, além de estarem intrinsecamente
ligados ao caráter social da Educação Integral, reconhecida aqui como um
instrumento de valorização da escola pública, gratuita e de qualidade para
todas e todos, concretizando o que sintetiza a Constituição Federal, em seu
artigo 205: “A Educação, direito de todas
e todos, dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
Além da valorização da escola
pública e do envolvimento de toda a comunidade escolar, enquanto aspecto
social, a política de Educação Integral promove a autonomia da mulher
trabalhadora. Essa autonomia econômica deve ser entendida com uma
característica para além da questão financeira, pois aí também está contemplado
o acesso à segurança social e serviços públicos, onde o salário não é
considerado a única fonte de empoderamento das mulheres. É preciso rediscutir o
modelo de sociedade patriarcal, onde mulheres sempre foram responsabilizadas
pelo trabalho reprodutivo e de cuidados, enquanto aos homens foi atribuído o
trabalho produtivo e o controle. Para romper essa realidade é indispensável a
inclusão, a permanência e a valorização das mulheres no mundo do trabalho.
A Educação Integral, assim
entendida, é instrumento para desenvolvimento e proteção de crianças e jovens,
autonomia das mulheres e transformação da sociedade que venha compreender, como
Anísio Teixeira, que "numa
democracia, nenhuma obra supera a de educação”.
* Educadora, Pedagoga e Diretora do Sinpro-DF, na Secretaria de Assuntos e Políticas para Mulheres
Mulheres, muito prazer! Achei muito legal a ideia do blog. Sou blogueira, feminista e petista. Quando quiserem dá uma olhada no meu blog, um deles é: http://matizesfeministas.blogspot.com
ResponderExcluirSerão muito bem-vindas. Um abração!
Neliane esse espaço é muito importante não apenas para as mulheres como para homens, educadores e lutadores. Há uma aproximação entre as várias lutas: mulheres, negros, negras, sem terra, homossexuais, ciganos (as) etc. Penso que a base fundante de todas as lutas é o Direito Humano. Todos os segmentos sociais que primam nesse pressuposto enxergam as especificidades como de interesse de todos (as). Um negro, por exemplo, pode somar à luta das mulheres e essas compartilhar das lutas das mulheres negras e assim por diante.
ResponderExcluirAo tratar da Educação Integral na perspectiva da formação da mulher, cabe lembrar-se da abrangência que essa categoria representa no contexto educativo, principalmente se tomarmos por base a dinâmica das relações de poder que exige uma formação consistente para poder enfrentar os vários desafios perpetrados por estruturas de poder e ideologias dominantes e opressoras.
Educar integralmente tem a ver com a totalidade, de maneira que não há espaço para o fragmento. A dimensão fragmentária do processo educativo tem reduzido o ensino e a própria educação ao mero ato de transmissão de conteúdos, o que é pior: muitas vezes a transmissão reproduz apenas o modus vivindis de uma sociedade capitalista.
Pensar uma educação integral é, portanto, desafiar o sistema gerador de fragmentações e vivenciar um novo jeito de ser pessoa no mundo. Essa perspectiva educativa integral, pensada sob a lógica emancipatória rompe com tendências que massificam e produzem objetivação do sujeito. Mas para reconfigurar uma tendência de ensino\educação exige uma vontade\ação de todos os sujeitos educativos e de saberes, bem como dos sujeitos institucionais.
Ao lembrar a necessidade de enfrentar a prática patriarcal, precisamos também saber em quais circunstâncias o patriarcado se situa em sociedades contemporâneas. É bem verdade que há novos ajustes e novas feições do patriarcado que já é caduco, o que data de 3.100 a.C. prova que a luta contra essa tendência deve ser permanente e com todos os instrumentos possíveis.
O patriarcado, como se sabe, atinge não apenas a família, mas a cultura, o Estado, as religiosidades e outras instituições sociais. Penso que a luta das mulheres irrompe na história como uma luta da humanidade, por essa razão todos devem unir na busca de melhores condições de vida, o que implica uma solidariedade planetária e não apenas localizada.
Ao perceber que a construção do sujeito é histórica fazemos da educação um modo de vida capaz de superar o patriarcalismo, o femicídio, o sexismo, o machismo e todas as formas correlatas de violência contra a mulher, daí a grande relevância do pensamento de Simone de Beauvoir “não se nasce mulher, torna-se mulher”. O tornar-se coloca todo sujeito no devir, sem tempo definido e sem circunstância determinada. No entanto o tornar-se deve ser, no nível da utopia, vida renovada no espírito (epistemologia) e no corpo (sensibilidades). Vamos em frente pensando e lutando, a fim de que possamos renovar nosso espírito e conquistar espaços de liberdade, respeitabilidade e realização.
Sucesso e luz!
Cristino C. Rocha é professor da Secretaria de Estado de Educação do DF.