quinta-feira, 8 de março de 2012

08 de março - Parabéns!, por Céli Regina Jardim Pinto



Obrigada, merecemos realmente parabéns, pois, desde as sufragetes inglesas do início do século 20 até os dias de hoje, são muitas as vitórias das mulheres. Conquistamos o direito ao voto, o direito de nos educar e entrar nas universidades, de sermos cidadãs de primeira classe mesmo casadas, de não precisarmos de autorização de ninguém para viajar, trabalhar, ir e vir. Enfrentamos preconceitos, tivemos muitas vezes de provar que éramos tão competentes quanto os homens no trabalho, apesar de ganharmos menos. Para conseguirmos ser iguais, tivemos sempre de ser as melhores. Lutamos pelo direto a termos uma vida adulta independente e sexualmente satisfatória. Lutamos contra o tabu da virgindade, contra o machismo primário que nos definia segundo a vontade, o poder e interesses, muitas vezes, pouco confessáveis.

No Brasil conseguimos importantes vitórias, que se expressam em muitos momentos da história recente do país: na luta pela anistia ainda durante a ditadura; na criação do Conselho Nacional das Mulheres na década de 1980; nos projetos gestados no movimento feminista e levados até a constituinte e daí transformados em direitos na Constituição de 1988; na criação de delegacias de polícia especiais para cuidar da violência contra a mulher; na Lei Maria da Penha; na criação da Secretaria Especial de Política das Mulheres.

Mas o 8 de março não é só comemoração. Muitas de nossas vitórias se naturalizaram, isto é bom, mas ao mesmo tempo trazem um grande problema: as novas gerações de mulheres tendem a ver o feminismo como coisa do passado, sem se darem conta de que a vida que levam hoje seria impossível sem as lutas do feminismo ao longo do século 20. Os jovens hoje, mulheres e homens, correm o risco de perderem estas conquistas se não se derem conta de que são sempre conquistas, que antes não era assim. E conquistas têm de ser mantidas, revisitadas e garantidas.

Portanto, temos de continuar a lutar, não só para garantir os direitos já conquistados, mas porque existe muito a fazer: enquanto as mulheres continuarem a serem mortas, enquanto a prostituição infantil for um fato
apenas relatado; enquanto houver trabalho escravo de mulheres, crianças e homens, continuaremos lutando. Enquanto houver preconceito contra as mulheres por sua cor ou orientação sexual, estaremos presentes. Estamos abertas para encarar de frente uma discussão madura sobre o aborto no país, longe do cinismo dos discursos eleitorais ou de uma triste moral de calças curtas. Não podemos permitir que nossos corpos, nossos sentimentos e nossos sofrimentos sejam alugados por credos religiosos, políticos ávidos de voto a qualquer preço ou por senhores vetustos às vezes de fichas não muito limpas. Há muita luta pela frente!



Céli Regina Jardim Pinto é cientista política, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

80 anos do voto feminino


Até 1932, só homens podiam votar no Brasil. O direito foi garantido às mulheres apenas com a criação do Código Eleitoral Provisório, em 24 de fevereiro daquele ano, após décadas de marchas e manifestações de ativistas. A obrigatoriedade do voto feminino foi aparecer apenas em 1946. Hoje, as mulheres representam a maioria dos eleitores no país. E, pela primeira vez na história, o Brasil tem uma voz feminina na Presidência da República – Dilma Rousseff.

No entanto, a grande maioria dos cargos públicos eletivos ainda é ocupada por homens. A cidade de São Paulo, por exemplo, teve apenas duas mulheres em seu comando, dentre 60 prefeitos.

Veja algumas perguntas e respostas interessantes sobre o voto feminino:

1. Na primeira vez em que o país permitiu o voto feminino, em 1932, nem todas as mulheres podiam participar das eleições. Quem ganhou o direito? Mulheres casadas, viúvas e solteiras com renda própria

2. Antes da decisão do governo federal, um dos Estados já permitia o voto de mulheres. Qual era ele? Rio Grande do Norte

3. Em comparação com outros países, o Brasil demorou a permitir o voto de mulheres. A primeira nação a garantir o direito o fez em 1893. Qual foi ela? Nova Zelândia

4. A partir de 1934, o voto feminino se tornou irrestrito, mas ainda não era obrigatório. Isso só ocorreu em 1946, durante o governo de qual presidente? Eurico Gaspar Dutra

5. Uma pianista e compositora muito famosa no final do século 19 e início do 20 atuou na luta pelo voto feminino. Uma das canções dela é Ô Abre Alas. Quem é ela? Chiquinha Gonzaga

6. Na década de 1930, uma escritora e jornalista foi muito atuante na defesa dos direitos da mulher. Ela chegou a ser presa pela polícia política de Getúlio Vargas e foi a segunda mulher de Oswald de Andrade. Qual é o nome da ativista? Pagu

7. Quem foi a primeira mulher eleita para um cargo público no país? Alzira Soriano, eleita prefeita de Lajes (RN)

8. Quem foi a primeira mulher prefeita de São Paulo? Luiza Erundina

9. Atualmente, as mulheres representam qual porcentagem do eleitorado brasileiro? 52%

10. Em 2010, pela primeira vez na história, duas mulheres disputaram a Presidência da República. Quem são elas? 
Dilma Rousseff e Marina Silva

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Lei Maria da Penha: STJ dispensa representação da vítima



A Lei Maria da Penha (Lei n. 11340/2006), que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, desperta polêmica no Superior Tribunal de Justiça (STJ) desde sua promulgação. Principalmente sobre a natureza jurídica da ação penal, se condicionada ou não. Ou seja, pode a ação penal com base nessa lei ser proposta pelo Ministério Público ou ter continuidade independentemente da vontade da vítima?

Apesar de, inicialmente, se ter considerado dispensável a representação da vítima, a jurisprudência do Tribunal se firmou no sentido que culminou no julgamento pela Terceira Seção, na última quarta-feira (24): é imprescindível a representação da vítima para propor ação penal nos casos de lesões corporais leves decorrentes de violência doméstica.

A lei, promulgada em 2006, não afirma que a ação penal pública a respeito de violência doméstica tem natureza jurídica incondicionada, ou seja, que pode ser proposta independentemente da vontade da vítima. O artigo 16 da lei dispõe que, “nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público”.

Tanto a Quinta quanto a Sexta Turmas, que juntas formam a Terceira Seção do Tribunal, vêm interpretando que a Lei Maria da Penha é compatível com o instituto da representação, peculiar às ações penais públicas condicionadas.

Nesse julgamento, ocorrido conforme o rito da Lei dos Recursos Repetitivos, o ministro Jorge Mussi refere-se a ensinamento da jurista brasileira Maria Lúcia Karam, citada pela ministra Maria Thereza de Assis Moura em outro processo.

"Quando se insiste em acusar da prática de um crime e ameaçar com uma pena o parceiro da mulher contra a sua vontade, está se subtraindo dela, formalmente ofendida, o seu direito e o seu anseio a livremente se relacionar com aquele parceiro por ela escolhido. Isto significa negar o direito à liberdade de que é titular para tratá-la como coisa fosse, submetida à vontade dos agentes do Estado, que, inferiorizando-a e vitimando-a, pretendem saber o que seria melhor para ela, pretendendo punir o homem com quem ela quer se relacionar. E sua escolha há de ser respeitada, pouco importando se o escolhido é, ou não, um agressor, ou que, pelo menos, não deseja que seja punido”.

Ele ainda transcreveu, na mesma ocasião, Maria Berenice Dias, segundo a qual:

"Não há como pretender que se prossiga uma ação penal depois de o juiz ter obtido a reconciliação do casal ou ter homologado a separação com definição de alimentos, partilhas de bens e guarda de visita. A possibilidade de trancamento do inquérito policial em muito facilitará a composição dos conflitos, envolvendo as questões de Direito de Família, que são bem mais relevantes do que a imposição de uma pena criminal ao agressor. A possibilidade de dispor da representação revela formas por meio das quais as mulheres podem exercer o poder na relação com os companheiros".

O entendimento do ministro Mussi, no sentido da necessidade de representação da vítima para que seja proposta ação penal prevaleceu sobre o do relator, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que entendia que a ação neste caso é pública e incondicionada.

Essa mesma conclusão se deu durante o julgamento de um habeas corpus (HC 110965) na Quinta Turma. O entendimento do ministro Arnaldo Esteves Lima prevaleceu sobre o da relatora, ministra Laurita Vaz, concluindo que o processamento do ofensor, mesmo contra a vontade da vítima, não é a melhor solução para as famílias que convivem com o problema da violência doméstica, pois a conscientização, a proteção das vítimas e o acompanhamento multidisciplinar com a participação de todos os envolvidos são medidas juridicamente adequadas, de preservação dos princípios do direito penal e que conferem eficácia ao comando constitucional de proteção à família.

Na Sexta Turma, em um primeiro momento os ministros entenderam que a ação penal pública é incondicionada. Esse entendimento, contudo, mudou, passando a ser no sentido da obrigatoriedade de representação da vítima para a propositura da ação.

O decano do STJ, ministro Nilson Naves, destacou, durante julgamento na Sexta Turma, da qual faz parte, que, na mesma Lei n. 11.340, admite-se representação e se admite seja ela renunciada. É isso que estatui o artigo 16. Com isso, entende que, se não se apagou de todo a representação, admite-se que se invoque ainda o artigo 88 da Lei n. 9.099, segundo o qual, "além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas".

Para Nilson Naves, é mais prudente que, nesses casos, a ação penal, assim como a renúncia, dependa de representação da ofendida.

Aperfeiçoamento da lei

A questão também está em debate no Legislativo Federal. Na Câmara, um projeto de lei propõe a alteração do artigo 16 da Lei Maria da Penha.

A autora da proposta, deputada federal Dalva Figueiredo (PT/AP), reconhece que a interpretação que os tribunais vêm dando ao artigo 16 da lei faz necessária a alteração na norma. Ela justifica a proposição como forma, não só de reafirmar os objetivos iniciais na elaboração da Lei Maria da Penha, mas de tornar mais clara a norma, de modo a impedir interpretações divergentes, estabelecendo como regra a ação penal pública incondicionada – aquela que dispensa a manifestação da vítima para que o Ministério Público possa propor ação penal.

Se aprovado o projeto de lei, ficará estabelecido que a ação penal nos crimes de violência doméstica ou familiar contra a mulher é pública incondicionada. Pelo projeto, o artigo 16 ganhará dois parágrafos e passará a ter a seguinte redação:

“Art. 16. São de Ação Penal Pública Incondicionada os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher definidos nesta Lei.

§1º. Nos crimes de que trata o caput deste artigo, procede-se mediante representação da ofendida apenas nos casos de ameaça ou naqueles que resultam lesões leves ou culposas.

§2º No caso do §1º deste artigo, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.”

Outros casos

Namoro, noivado, casamento. Não importa o nível de relacionamento. O STJ vem entendendo que qualquer relacionamento amoroso pode terminar em processo judicial com aplicação da Lei Maria da Penha, se envolver violência doméstica e familiar contra a mulher.

A Terceira Seção reconheceu, recentemente, a possibilidade de aplicação da lei nas relações de namoro, independentemente de coabitação. No entanto, segundo o colegiado, deve ser avaliada a situação específica de cada processo, para que o conceito de relações íntimas de afeto não seja ampliado para abranger relacionamentos esporádicos ou passageiros.

“É preciso existir nexo causal entre a conduta criminosa e a relação de intimidade existente entre autor e vítima, ou seja, a prática violenta deve estar relacionada ao vínculo afetivo existente entre vítima e agressor”, salientou a ministra Laurita Vaz. No processo, mesmo após quase dois anos do fim do namoro, o rapaz ameaçou a ex-namorada de morte quando ficou sabendo que ela teria novo relacionamento. O STJ determinou que a ação seja julgada pela Justiça comum, e não por Juizado Especial Criminal, como defendia o advogado do acusado da agressão.

Em outra questão sobre a Lei Maria da Penha e namoro, a Sexta Turma concluiu ser possível o Ministério Público (MP) requerer medidas de proteção à vítima e seus familiares, quando a agressão é praticada em decorrência da relação. Para a desembargadora Jane Silva, à época convocada para o STJ, quando há comprovação de que a violência praticada contra a mulher, vítima de violência doméstica por sua vulnerabilidade e hipossuficiência, decorre do namoro e de que essa relação, independentemente de coabitação, pode ser considerada íntima, aplica-se a Lei Maria da Penha.

Mesmo se a relação já se extinguiu, a Terceira Seção reconheceu a aplicabilidade da norma. “Configura violência contra a mulher, ensejando a aplicação da Lei n. 11.340/2006, a agressão cometida por ex-namorado que não se conformou com o fim de relação de namoro, restando demonstrado nos autos o nexo causal entre a conduta agressiva do agente e a relação de intimidade que existia com a vítima”, resumiu o ministro Jorge Mussi, ao determinar que o caso fosse julgado em uma vara criminal e não em juizado especial criminal.

Para o magistrado, o caso do ex-casal se amolda perfeitamente ao previsto no artigo 5º, inciso III, da Lei n. 11.343/2006, já que caracterizada a relação íntima de afeto, em que o agressor conviveu com a ofendida por 24 anos, ainda que apenas como namorados, “pois aludido dispositivo legal não exige a coabitação para a configuração da violência doméstica contra a mulher”.

Fonte: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=96105