terça-feira, 24 de janeiro de 2012

PT divulga nota em solidariedade aos ocupantes do Pinheirinho


Partido condena violência e atos lamentáveis praticados pela prefeitura de São José dos Campos, Governo de São Paulo e Tribunal de Justiça.


NOTA DO PT EM SOLIDARIEDADE AOS OCUPANTES DO PINHEIRINHO

O PT acompanhou chocado, como toda a Nação, o desfecho violento e inesperado das negociações sobre a posse e urbanização de uma área ocupada por mais de mil famílias, há mais de 8 anos, no bairro do Pinheirinho, em São José dos Campos, SP.


A mega-operação de reintegração de posse que envolveu a Polícia Militar do Estado de São Paulo e a Guarda Municipal de São José dos Campos frustrou os esforços para uma saída pacífica para o conflito social, com base em proposta de políticas públicas para a regularização, urbanização e construção de moradias populares na região envolvendo os três níveis de governo – federal, estadual e municipal.

De propriedade de um mega-especulador de passado amplamente conhecido, o Sr. Nagi Nahas, abandonada e sem o pagamento regular de seus impostos, envolta em chicanas jurídicas de falência da empresa de seu proprietário, o terreno poderia ser objeto, conforme proposta formal do Governo Federal, de uma ação conjunta dos vários entes federados para dar-lhe destino social, integrar as famílias ocupantes à cidadania plena e equacionar um problema crônico de moradia popular em importante pólo regional do Vale do Paraíba paulista.

No entanto, quando se imaginava que o caminho das negociações estava efetivamente aberto, a Prefeitura de São José dos Campos rompeu unilateralmente as negociações, e, de forma dissimulada e inesperada, sem comunicação prévia, passa a operar pela reintegração de posse junto à Justiça Estadual e o Governo do Estado. O que choca é que o mínimo de civilidade e credibilidade se espera na relação administrativa entre entes da Federação. A dissimulação e a mentira são posturas inaceitáveis em relações políticas e administrativas, e essas foram marcas do comportamento da Prefeitura de São José dos Campos neste processo.

A Prefeitura de São José dos Campos, o Governo do Estado de São Paulo e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo devem responder pelas conseqüências de seus atos nesta situação lamentável que expôs vidas humanas a risco desnecessário, tanto das famílias ocupantes quanto da população do entorno da ocupação e de outros bairros da cidade para onde a violência se estendeu.

O PT manifesta sua solidariedade ao movimento popular de São José dos Campos, aos moradores atingidos pela violência do Estado nesta reintegração de posse e aos membros do Governo Federal e parlamentares presentes facilitando em todos os momentos a negociação por uma saída pacífica e construtiva para o conflito.

O PT cumprimenta o Governo Federal pelos seus esforços de diálogo e por sua responsabilidade em todo o processo do Pinheirinho, e condena fortemente a intransigência e a insensibilidade social dos governos tucanos de São José dos Campos e do Estado de São Paulo, instando a todos pela retomada das negociações que permitam reparar o sofrimento causado desnecessariamente a famílias pobres e sem-teto.

São Paulo, 23 de Janeiro de 2012

Rui Falcão
Presidente Nacional do PT

Renato Simões
Secretário Nacional de Movimentos Populares e Políticas Setoriais do PT


quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Vai pensando aí...


Para a TV Globo, sexo sim, escândalo sim, discussão sobre limites éticos e legais no BBB não!, por Jacira Melo

BBB12 e o estupro ao vivo na TV

A decisão da TV Globo de expulsar do reality show o participante Daniel sob suspeita de ter abusado sexualmente da colega Monique, após a polêmica sobre estupro haver explodido nas redes sociais, é muito clara: a emissora reagiu em função da repercussão negativa e não em razão do estupro transmitido ao vivo via satélite. Não interessa à TV e nem à lógica do Big Brother Brasil um debate sobre ética no programa ou na TV.

Boninho, diretor do BBB, em um primeiro momento argumentou que "Daniel era vítima de racismo", provavelmente em uma tentativa de duplicação do debate: estupro ou racismo? Após a intervenção da Polícia, que ameaçou tirar o programa do ar, Boninho mudou de estrategia e afirmou que Daniel "passou dos limites".

O apresentador Pedro Bial foi lacônico ao anunciar a expulsão do participante. Aliás, no episódio do BBB que alcançou o maior índice de audiência até hoje, Bial - por explícita conveniência - não detalhou para os telespectadores - e ao que tudo indica nem mesmo aos outros participantes - qual foi o motivo da eliminação de Daniel. Ao anunciar sua saída, alegou somente que Daniel havia "infringido as regras do programa".

Passaram do limite a Rede Globo, Boninho e o participante Daniel. Infringiram a regra da ética. O diretor e a produção do BBB foram omissos, assistiram de camarote, na madrugada de sábado para domingo, ao desenrolar do que tudo indica ter sido um estupro transmitido ao vivo pela TV brasileira. Poderiam ter agido e impedido o suposto crime. Mas aquilo tudo – o estupro e a transmissão ao vivo aos espectadores pagantes - fazia parte da festa, do show. Tudo leva a crer que apostaram no escândalo, na polêmica, na dúvida sobre o caráter de Daniel, mas também de Monique. Apostaram que surgiriam os argumentos preconceituosos comuns nesse tipo de caso: "ela deu mole, facilitou, provocou". Afinal, os participantes sabem os riscos que correm pelo fato de o programa ser transmitido ao vivo.

A TV Globo parece ter entendido rapidamente os riscos que corre. A denúncia sobre o possível estupro explodiu primeiro nas redes sociais, pautando sites de notícias e blogs, que passaram a indicar links para o YouTube: estupro no BBB12. Em pouco tempo, o caso tornou-se o tema mais comentado na internet.

E o que era para ser uma festa no BBB e mais um escândalo de audiência saiu do controle. A edição do BBB de 2012 tem cinco patrocinadores - AmBev (Guaraná Antarctica), Fiat, Niely, Schincariol (Devassa) e Unilever (Omo) – que, segundo informações da imprensa, desembolsaram R$ 20,6 milhões cada um para terem suas marcas no programa, totalizando R$ 103 milhões. Sabe-se que a discussão sobre limites éticos e legais na produção de conteúdo e patrocínio de programas é uma questão que causa verdadeiro pânico na TV.

Pois esse episódio aponta para duas tendências do público: a primeira evidencia que o telespectador passou, com as tecnologias de comunicação, a ver TV e emitir sua opinião a partir de seu próprio juízo; a segunda tendência revela que a sociedade já identifica com mais clareza situações de violência contra a mulher e que a violação do corpo e da intimidade de uma mulher já é debatida como questão de direito e justiça.

São sinais claros de avanços na agenda de debates e da participação da cidadania. Falta agora que os veículos de mídia também aceitem participar desse debate sobre os limites éticos e legais de seus conteúdos e estratégias para conquistar audiências. Também faltam posições inequívocas das instituições democráticas do país sobre as consequências previstas para esse tipo de atitude de emissoras de TV, para que possam ser responsabilizadas editorialmente sobre os conteúdos transmitidos.



Com consentimento da sociedade, por Fernanda Monteiro



Bom, eu achei que o meu texto de reestreia no Vestiário seria uma coisa mais light, algo sobre “que diabos a Xuxa ainda quer na televisão” ou “o valor popularesco do Esquenta, de Regina Casé”, mas não. Fica para a próxima. Tão cedo e já é hora de “Big Brother”.



Eu bem tinha me disposto a me envolver cada vez menos com a programação televisiva, principalmente no que diz respeito a tudo que tenha no mínimo uma década ininterrupta no ar – e não acredito que seja esse episódio que me fará mudar de ideia, mas, ao contrário do que muitos pensam, merece sim atenção. Gostemos dele ou não, é um programa massivamente assistido, em horário nobre. Digno ou não de nossa atenção ou respeito, é através dele (embora contra a sua vontade) que está se dando uma importante (mas não única) chance de levantar mais questões sobre o machismo, sobre abuso, sobre direitos e sobre informação.

E vou pular a introdução ao tema porque todos já estão carecas de saber.

A chuva de argumentos desqualificadores do caso é tão espantosa, que primeiro dá vontade de rir, depois de chorar. Na coluna dos mais nojentos está o cordão dos “quem mandou beber demais?”, “se ela não queria, por que deixou?”, “impossível não sentir a p****a do negão entrando” e, PASMEM!, “queria ver o que as menininhas iam dizer se fosse o Jonas na cama com ela”.

Essas pessoas não sabem com o quê estão brincando. Na boa, é de arrepiar que alguém ainda considere a mulher responsável por qualquer tipo de abuso sexual sofrido; que uma pessoa desacordada, sob efeito de muito álcool seja mesmo capaz de discernir o que acontece ao seu redor; ou que uma bulinação sem consentimento seria menos desagradável se cometida por um loiro-de-olhos-claros. BALDE! E o mais chocante é que a maioria dessas pessoas ou já passou por uma situação alcoólica semelhante, ou já precisou ajudar alguém nessa situação. Mas é na televisão, é no BBB, eles estão lá para dar show mesmo, então não merece nossa indignação.

Depois de ler várias coisas sobre isso durante o dia, foi inevitável me deparar com muitos textos que citavam o Código Penal e os termos ora específicos, ora vagos, que qualificam ou não estupro, abuso de incapaz, etc e tal, e sobre o quais eu sou suficientemente responsável para não me aprofundar, por não entender do riscado.

Eu só acho que o vídeo é muito claro com relação ao fato de que a moça está inconsciente e não esboça nenhuma interação com o rapaz; e que, depois da explosão do axé music nos anos 90, é impossível alguém não saber o que significa esse movimento de vai-e-vem dos quadris, essa sensualização pélvica executada tão enfaticamente no vídeo. O ato, dentro das condições expostas, é no mínimo desrespeitoso e, justamente por deixar tantas brechas, está sendo conduzido de maneira absurda pela direção do programa (o que não chega a surpreender, mas é preciso ressaltar).

Boninho chama para prestar esclarecimento justamente a pessoa que estava inconsciente, e quando ela diz que “não rolou sexo, e tudo que rolou foi consensual” está se referindo exclusiva e obviamente à parte que ela lembra. Tão logo sai do confessionário, a própria mostra-se surpresa e insegura quanto aos questionamentos e vai perguntar ao próprio Daniel o que foi que rolou, ao que ele responde “dois estalinhos e uma alisada”.

É aí que eu quero chegar: não é isso que o vídeo mostra, Daniel está mentindo e não foi sequer chamado ao confessionário, logo ele que era a parte consciente na situação. Além do mais, pediu que Monique não ficasse comentando sobre o assunto com os outros participantes e usou a tática brilhante da psicologia reversa: eu fico de mimimi dizendo que a edição vai me queimar e, só para não me dar razão, a edição não me queima.

O vídeo é retirado do ar e o Mister B. pretende encerrar o assunto com a premissa de que a maior interessada no assunto é Monique e, se ela não se queixou, ninguém pode se queixar. Mas ela não se lembra. E ninguém vai mostrar o vídeo a ela. E não será feito nenhum exame.

E ninguém pode falar nada porque o BBB é a Worderland da baixaria e não merece indignação nenhuma porque quem está lá é para isso mesmo. É igual ao índio que dormiu no ponto do ônibus para isso mesmo. É igual à prostituta que está na rua para isso mesmo. É igual à moça que usa roupa curta para isso mesmo.

O mais irônico disso tudo, é que a chamada comercial que a Globo utilizou para promover o episódio de ontem (“hoje é o dia da primeira festa no BBB12”) trazia justamente uma frase de efeito do Daniel: “hoje é o dia que a bebida entra, e a verdade sai”. Sair, até sai, Daniel. O difícil é levar para frente.


FERNANDA MONTEIRO É COLUNISTA DO SITE VESTIARIO.ORG
Assim a autora se descreve: "Apaixonada por samba, sushi, sossego e amores impossíveis. Adora escrever onde não é chamada e, para todas os outras dores, existe cerveja."

A culpa é da mulher!?, por Neliane Cunha


Apesar da recusa de submeter-me a programações televisivas do tipo reality, não posso me calar diante do ocorrido num degradante programa imposto há doze anos no Brasil. Ainda sobre tais programas, entendo que estes são instrumentos de detentores de poder (neoliberal, econômico, midiático) para a manutenção de seu status quo, alienando a população que se deixa entreter – peço permissão de Raul Seixas – “com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar”.

Vamos aos fatos. Brasil, janeiro de 2012, BBB – Big Brother Brasil, também sucesso de edição em outros países, porque essa alienação não acontece somente aqui. Festa, regada a muita bebida e exposição do que há de mais fútil em cada participante, para a garantia de audiência. Bêbados ou não, cada um e cada uma apresenta alguma estratégia para aparecer e ficar em evidência. Uma mulher e um homem. Dançam, se beijam e vão para a cama. A diferença desse último detalhe é o objetivo: ela não se aguentava em pé e queria dormir, ele queria sexo. Resultado: ESTUPRO da mulher inconsciente! Filmado e transmitido, para a garantia de audiência.


Dia seguinte, a produção do programa faz uma sabatina de perguntas à participante que não consegue se lembrar, devido seu estado de vulnerabilidade, “pensa” daqui (ah! a audiência)... “pensa” dali (também a audiência)... e decide eliminar o estuprador, pronto, está resolvido!. E a população alienada mais uma vez mostra o seu lado tirano: “ninguém mandou beber tanto”, “ela se ofereceu”, “ela também tem que ser expulsa”, “quando um não quer, dois não fazem”... e tantas outras pérolas que me recuso a detalhar aqui tomaram conta das redes sociais e das rodas de conversa, culpabilizando a mulher pela violência sofrida. Mulher esta que até agora, mais de quarenta horas depois, não sabe que foi violentada com tamanha gravidade. Para quê? E a audiência?

Isso mesmo! Filmaram, transmitiram, ninguém da equipe de produção tomou providência, nem no momento da violência, nem para apurar o crime, crianças assistem tranquilamente uma mulher sendo violada da forma mais perversa que existe e a grande maioria diz que A CULPA É DA MULHER.


A mesma sociedade que aponta o dedo quando essa violação é sofrida nas ruas “porque não usava trajes adequados”, ou quando é o caso de violência doméstica “pois apanha porque gosta e em briga de marido e mulher não se mete a colher”, aceita tranquilamente a pedofilia, retratada em meninas que se casam aos 10, 11 anos “para não virarem vagabundas”, ou que admite a agressão a homossexuais e lésbicas “porque isso é um absurdo”, e que enterra dezenas de milhares de vítimas de abortos clandestinos por ano “porque quem mandou dar?”.

E claro, é melhor apontar o dedo de olhos bem fechados, porque ainda não são suficientes políticas públicas que protejam integralmente meninas e mulheres, que eliminem o sexismo e qualquer forma de preconceito nas escolas, que combatam a violência infantil e doméstica, que promovam a autonomia das mulheres em todos os aspectos, que construam a igualdade de gênero... Porque A CULPA É DA MULHER!

A culpa é da mulher? É fácil culpabilizar quem sempre foi tratada como minoria, com violência e sem oportunidade... Difícil é mudar atitudes. Difícil, mas não impossível. E quando todas e todos reconhecerem sua culpa nesta e noutras histórias, poderemos almejar um mundo melhor e possível para as mulheres.


terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Quando as crianças são o alvo, por Cristina Fernández

Quando as crianças são o alvo

O afã de destruição total de uma mulher (pelo seu marido ou companheiro) corporizado no assassinato de um filho, fornece uma prova cabal de que infância e gênero devem ser abordados de uma forma integral. Não se pode trabalhar com problemáticas da infância perdendo de vista a perspectiva de gênero. E não se pode construir o caminho da consciência de gênero se não se leva em conta que há outras vítimas, além das mulheres.

O artigo é de Cristina Fernández*, publicado no Jornal Argentino Página/12.**


Não é possível fazer uma análise profunda e exaustiva da violência de gênero se não se leva em conta como ela afeta meninos, meninas e adolescentes, ao mesmo tempo que atinge as mulheres adultas.

Primeiro caso: tinha 17 anos e um pai violento. Vivia em uma província conservadora do interior. A família pertencia a uma comunidade na qual a violência de todo tipo era moeda corrente e aceita. Cinco meses antes de completar os 18 anos ela fugiu de casa. Juízes ainda chamados “de menores”, um anacronismo desde a vigência da Lei 26.061 de Proteção Integral de Direitos de Meninos, Meninas e Adolescentes, a devolveram para sua casa. Os juízes agiram com forças policiais provinciais, para quem a “fuga de casa” é quase um delito penal. A adolescente esperou pacientemente, entre surras, os cinco meses que faltavam para atingir a maioridade e, quando atingiu os 18, ninguém nunca mais soube dela.

O segundo caso começa com um soco:
- Você é uma puta! – disse o marido à mulher. E o soco arrancou-lhe o dente.
Cansada, humilhada, longe de seu país, pegou seu bebê de um ano e foi embora. Com a desculpa de buscar seu filho, o agressor argumentou impedimento de contato perante a Justiça. Mas nunca a encontrou. E ela, mais forte e mais segura porque estava longe dele, pediu ajuda ao Estado e salvou sua vida.

Terceiro caso: não conseguiu interpretar os inumeráveis alertas que se produziram. Talvez porque nunca tenha pensado que o pai de seu filho menor poderia ser capaz de semelhante crueldade quando prometia bater nela, e bater forte. Seu filho maior, nascido de um casamento anterior, apareceu morto em um descampado. Ele conseguiu dar-lhe o golpe mais certeiro.

Naquilo que os militantes do coletivo feminista chamam de “femicídio vinculado”, a agressão masculina alcança seu ponto máximo de violência contra as mulheres sem chegar à eliminação física. Mas como o assassinato é cometido contra o filho ou a filha para produzir um dano explícito à mulher, no femicídio vinculado a relação infância-gênero se torna mais nítida. É um grito que deve ser escutado sem os preconceitos que vêm do patronato e do patriarcado.

O patronato é a instituição que estabelece que as pessoas menores de idade são consideradas “objetos de proteção” e não “sujeitos de direitos”. O patriarcado é a instituição segundo a qual as mulheres devem ser consideradas “objetos de proteção” e não “sujeitos de direitos”. Na fundamentação de ambas, como doutrinas e como práticas sociais, está a suposta proteção de “seres inferiores”, incapazes por si mesmos de exercer plenamente seus direitos.

Se patriarcado e patronato andam de mãos dadas, se a origem é o “pater”, se o patronato priva meninos, meninas e adolescentes de direitos e o patriarcado priva as mulheres de direitos, se as sociedades patriarcais são aquelas que consideram o patronato como a forma de “proteger” os “menores” e a submissão como a forma de “silenciar” as mulheres, então as respostas institucionais à violência de gênero devem percorrer também os caminhos da infância. De nenhuma maneira, essas duas dimensões podem ficar separadas.

As adolescentes que abandonam voluntariamente seus lares sempre o fazem em função da arbitrariedade patriarcal, que chega aos extremos da violência física. Às vezes a violência não é só física, mas nem por isso é menos violenta. As mulheres que conseguem fugir levando junto seus filhos ou filhas escapam da violência patriarcal, que se manifesta de várias formas distintas: simbólica, sexual, física ou econômica. “Para que eu ia ficar se ele me tirava todo o dinheiro?”, dizia ela em estado de pânico. “Não queria que meu filho passasse pela mesma coisa”. Em resposta a essa violência que não se vê, muitas mulheres começam a divisar a possibilidade da sobrevivência própria e a de seus filhos.

O “caso Tomás”*** foi um exemplo de femicídio vinculado que chegou aos meios de comunicação. Mas não é o único. O afã de destruição total de uma mulher, corporizado no assassinato de um filho, fornece uma prova cabal de que infância e gênero devem ser abordados de uma forma integral. Não se pode trabalhar com problemáticas da infância perdendo de vista a perspectiva de gênero. E não se pode construir o caminho da consciência de gênero se não se leva em conta que há outras vítimas, além das mulheres. O perfil da violência no âmbito do privado sempre toca meninos, meninas e adolescentes.

A maternidade é uma construção social. A infância e o gênero também o são. A resistência à violência doméstica deve ser construção de um coletivo único, feminista e não feminista, cuja única bandeira deve ser a proteção de direitos.

*Cristina Fernández é coordenadora do Registro nacional de Informação de Pessoas Menores Perdidas, da Secretaria de Direitos Humanos, na Argentina.

**Tradução: Katarina Peixoto

***O caso mais famoso que aparentemente se enquadra no crime de femicídio (ou feminicídio) na Argentina é o de Tomás Dameno Santillán, 9 anos, que foi morto a golpes em meados de novembro de 2011. O único detido e principal suspeito do crime é o ex-companheiro da mãe do menino.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Documentário REVERSO

"Reverso: retire  o Decreto nº 0-001/2011 de nossas vidasé um documentário produzido pelo DECA/PROEX-UERN, Marcha Mundial das Mulheres e STTR de Apodi, sobre o polêmico projeto de irrigação proposto pelo DNOCS, que poderá desapropriar mais de dez mil hectares na região da chapada de Apodi, desabrigando centenas de famílias assentadas.
Por Agnaldo Fernandes - Fonte: Notícias do Campo

sábado, 14 de janeiro de 2012

Não a MP 577/2011 MS! Em defesa da vida das mulheres!


No dia 26/12/2011, o Ministério da Saúde publicou a Medida Provisória 557/2011, que institui o Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera para Prevenção da Mortalidade Materna que prevê um cadastro universal das gestantes e puérperas buscando identificar as que estão com gestação de risco. Segundo o Ministério da Saúde essa iniciativa visa a responder a uma preocupação de que os municípios e Estados fortaleçam sua intervenção e garantam a realização de uma atenção eficaz e humanizada como parte do esforço de redução da mortalidade materna a níveis aceitáveis segundo a OMS. É conhecida a gravidade dos índices de mortalidade materna no Brasil, seu corte de classe e raça e, portanto, a urgência que uma Política Integral de Atenção à Saúde da Mulher priorize essa questão.

No entanto a edição desta MP levanta várias dúvidas quanto à sua adequação e se, de fato, é necessário criar esse tipo de mecanismo e, mais ainda, por meio de um dispositivo de Medida Provisória. Em primeiro lugar chama a atenção de maneira contundente o fato de que ela mexe na lei geral que organiza o sistema de saúde (Lei 8080 de 1990) para introduzir na legislação a questão dos direitos do nascituro. A introdução da idéia de direitos do nascituro tem sido, ao longo de várias décadas, uma questão central na disputa realizada pelos setores que buscam restringir os direitos das mulheres à autodeterminação e autonomia em relação à maternidade. Um debate que se contrapõe não apenas ao movimento de mulheres, mas a todos os setores progressistas que reconhecem a importância de se resguardar e reafirmar o direito das mulheres frente às tentativas constantes de introduzir esta contraposição no ordenamento legal brasileiro.

Não é pouco lembrar que, até agora, o marco principal é a Constituição brasileira onde prevaleceu o direito à vida desde o nascimento e os direitos das mulheres enquanto gestantes, recusando-se essa noção movida principalmente por influências religiosas conservadoras. O mais preocupante, portanto, é que a MP 557/2011, introduz a figura do nascituro como portador de direitos, quando é fato que esse não existe fora do corpo da gestante.

O fato é que esses setores retrógrados não conseguiram introduzir essa questão na legislação no Brasil até o momento, ainda que nos últimos anos tenha se acirrado a pressão para se definir os direitos das pessoas, e neste caso em especial das mulheres pela ótica de ideologias religiosas conservadoras. É inaceitável que isso seja realizado pelo Ministério da Saúde e a partir de uma questão tão sensível como propostas de redução da mortalidade materna. Com isso, o Ministério assume a linguagem dos setores reacionários, o que é inadmissível, e retrocede no processo de acúmulo que o SUS representa em termos de uma concepção de saúde vinculada ao pleno exercício de direitos.

Evidentemente o caráter persecutório da MP torna-se mais forte pelo fato de que no Brasil as mulheres são criminalizadas pela realização do aborto. Nos últimos anos há uma ofensiva conservadora e aumento da perseguição e criminalização das mulheres, inclusive com a interdição policial de clínicas, com a utilização de prontuários e registros das usuárias. As mulheres não podem exercer sua autonomia diante de uma gravidez indesejada e ficam expostas a riscos para sua saúde, sua integridade física e liberdade.

É evidente que o cadastro proposto é universal e compulsório, como se pode ler no texto da MP. Se é possível tomar medidas para que isso não seja utilizado como mais um instrumento de restrição de liberdade das mulheres em sua vida reprodutiva, os argumentos do Ministério da Saúde de que “universal” não se confunde com “compulsório” só faz sentido se isso corresponde a uma sugestão do Ministério de que as mulheres não procurem os serviços de saúde! Aliás, todas nós esperamos e queremos um atendimento integral à saúde das mulheres e que todas possam estar inscritas no sistema de saúde. O que torna, portanto, mais estranha e incompreensível a necessidade de tal cadastro específico de gestantes, mesmo considerando a problemática da mortalidade materna.

Desde o início da gestão, tem prevalecido nas ações do Ministério da Saúde uma perspectiva  conservadora que não leva em consideração a saúde integral das mulheres e está centrada fundamentalmente no aspecto materno infantil. Nesse sentido a MP é uma continuidade da rede cegonha e de uma visão redutora do papel das mulheres como mães e reprodutoras.

Também chama a atenção a introdução da proposta de um Comitê Gestor Nacional sem qualquer participação da sociedade civil, e principalmente de Comissões de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento de Gestantes e Puérpuras de Risco quando na realidade já existe no sistema de saúde, com participação dos movimentos e da sociedade civil, os Comitês de Morbi-Mortalidade Materna, fruto da luta e reivindicação dos setores organizados como parte de toda uma luta dos movimentos sociais por um sistema de saúde público e com controle social. A proposta não segue o acúmulo do SUS, prevendo em sua composição apenas a participação de profissionais e gestores, e desconhece o papel do movimento organizado nesses instrumentos.

Finalmente, o enfrentamento da mortalidade materna exige enfrentar a terceira causa de mortalidade materna que é o abortamento inseguro. É amplamente conhecido que isso só será possível se for respeitada a autonomia das mulheres e o aborto diante de uma gravidez indesejada for parte da política de saúde pública.

É obrigação do Ministério da Saúde ter políticas de atenção à maternidade que busquem reduzir a morbi-mortalidade materna e para isso é necessário qualificar a assistência e garantir o acesso e acolhimento nas unidades e hospitais, tanto na regulamentação para o atendimento privado como nos serviços  sob responsabilidade da rede SUS.  Nesse sentido a o benefício de R$50,00 terá um papel importante para o deslocamento daquelas que têm dificuldade financeiras. Sua eficácia, entretanto, depende da existência de outras políticas sociais associadas. Mas, mais uma vez, não é isso o que justifica a edição desta medida provisória.

É urgente que o Ministério da Saúde retire essa MP e articule suas ações para redução da mortalidade materna em acordo com mecanismos e as diretrizes já previstos no SUS e nas Conferencias Nacionais de Saúde.

Por isto, nós, da Marcha Mundial das Mulheres, exigimos:

  • Que o Ministério da Saúde retire a MP 577/2011 no sentido de garantir a integralidade da saúde da mulher em consonância com seus direitos e garantias individuais;
  • Que o Ministério da Saúde retome o debate sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e que o governo reafirme a autonomia política das ações condizentes com os princípios do Estado Laico, tomando  medidas sem se curvar para conservadorismos ou morais religiosas;
  • Um compromisso explícito do governo de impedir todas as ações de retirada de direito das mulheres nas políticas públicas;
  • Que o Ministério da Saúde e o governo federal em conjunto com a sociedade civil enfrentem o debate do aborto inseguro e a necessidade de políticas de atendimento às mulheres que decidem interromper uma gravidez indesejada e, portanto, que o aborto seja descriminalizado e legalizado.

Marcha Mundial das Mulheres

A Secretaria de Mulheres não teve nenhuma participação na MP 557

Ministra Iriny Lopes: "Eu não recebi minuta da Medida Provisória para opinar, eu não fui chamada para nenhuma discussão de mérito, eu não fiz parte de nenhum grupo de estudo ou de análise do que estava sendo proposto".                          Por Conceição Lemes
Foto: Lena Azevedo

Na entrevista que o doutor Fausto Pereira dos Santos, assessor especial do ministro da Saúde Alexandre Padilha, concedeu ao Viomundo, eu perguntei:
¾      Mas eu não participei, não!, disse-me, no início desta noite, a ministra Iriny Lopes, da Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República.

¾     Como? 

¾      Eu não participei! Eu pago todos os preços das coisas que eu faço e falo, mas do que eu não fiz não.

A Medida Provisória 557 institui o Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera para Prevenção da Mortalidade Materna. Além da presidenta Dilma Rousseff, assinam-na os ministros Alexandre Padilha (Saúde), Guido Mantega (Fazenda) e Miriam Belchior (Planejamento).

Prossegue a entrevista, que foi solicitada pela própria ministra ao Viomundo, para esclarecer a participação da Secretaria de Políticas para as Mulheres na elaboração da Medida Provisória 557.

Viomundo – Quando a senhora tomou conhecimento da MP 557?

Iriny Lopes – Quando ela foi publicada [27 de dezembro, no Diário Oficial da União].

Há uns dois ou três meses atrás [precisamente no dia 27 de outubro de 2011], eu procurei o ministro Padilha para que a gente pudesse ter um comportamento uniforme e tranquilo em relação no caso Alyne (veja PS do Viomundo), sobre o qual o Brasil tem de se manifestar. É um caso que a gente tem tratar com toda a delicadeza que merece.

Nessa reunião, o ministro fez um comentário en passant de que seria um bom momento para se tomar outras medidas em relação à mortalidade materna. Mas não passou de um comentário.

Eu não recebi minuta da Medida Provisória para opinar, eu não fui chamada para nenhuma discussão de mérito, eu não fiz parte de nenhum grupo de estudo ou de análise do que estava sendo proposto.

Depois da Medida Provisória publicada, estimulada pelos comentários nos blogs feministas, eu fui procurar me informar mais sobre aquilo que as mulheres estavam fazendo referência.

Viomundo – Se a senhora tivesse participado, que sugestão teria dado?

Iriny Lopes – Por questões de natureza ética, eu prefiro não me manifestar sobre o mérito da MP, neste momento. Temos, primeiro, de debater o assunto no interior do governo. Depois, eu posso até me manifestar.

Agora, não posso deixar passar a ideia de que eu tinha conhecimento do conteúdo da MP e concordava com ele. Isso não é na verdade, eu não participei nem fui chamada para participar da elaboração da Medida Provisória. A Secretaria de Mulheres não teve nenhuma participação na MP 557.

Viomundo – Em relação ao caso Alyne, como ele tem de ser conduzido na sua opinião?

Iriny Lopes – Nós não podemos negá-lo nem tergiversar sobre o assunto. O caso correu o fato e, na minha opinião, poderia ter sido evitado.

Eu acho que a maneira mais coerente e mais afirmativa que o Brasil tem de enfrentar uma situação como essa é dar o mesmo tratamento que demos ao caso Maria da Penha. Ou seja, ao ser denunciado, partimos decididamente para a construção de algo afirmativo, que não nega o problema mas que busca solução. Temos de fazer o mesmo em relação ao caso Alyne e à mortalidade materna.

É o mais correto. Temos de admitir que o problema ocorreu, porque quando não se admite, não se muda. Isso é fundamental. E, a partir daí, buscar uma maneira afirmativa de superação do problema identificado. É o melhor não só para o Brasil mas para as mulheres brasileiras.

PS do Viomundo: Em 2002, a afro-brasileira Alyne da Silva Pimentel, então com 28 anos de idade e 27 semanas de gestação, procurou uma casa de saúde particular em Belfort Roxo, na Baixada Fluminense, RJ, pois estava vomitando e tinha dores abdominais. Uma ultrassonografia constatou a morte do feto.

A casa de saúde transferiu Alyne para um hospital público da região, para que fosse retirado o feto. Como não encaminhou junto qualquer documento que indicasse o seu estado clínico, ela ficou esperando horas no corredor por atendimento. Aí, entrou em coma e morreu por falta de cuidados médicos adequados. Uma morte perfeitamente evitável.

Em função do caso Alyne, o Brasil foi condenado recentemente pelo Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (Cedaw, entidade que monitora o cumprimento da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher).

“Além da reparação adequada da família de Alyne, incluindo indenização financeira, o Brasil foi condenado a implementar uma série de recomendações para reduzir a mortalidade materna”, afirmou a advogada Beatriz Galli em entrevista ao Viomundo.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Vídeos da 3ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres

Dilma ressalta a importância da 
Secretaria de Políticas para as Mulheres:

Organização da Conferência:

Objetivos da Conferência:


Debates da Conferência:

Ministra Iriny Lopes recebe Michelle Bachelet:

Opiniões de blogueiras feministas:

Show de Zélia Duncan:

Grupos de trabalho:

Plenária final:

Balanço da Conferência:

O movimento social, as oportunidades e o capitalismo, por William Aguiar


O impacto mental e espiritual por haver passado quinze dias envolvido em Conferências Nacionais – participando delas – não é algo que se dilua facilmente na vida de uma pessoa, até mesmo porque o objetivo não é esse. Porém, há um grande problema, que persegue qualquer pessoa que tenha entendido a lógica do sistema capitalista disfarçado de democrático-popular: o que as pessoas querem realmente? Nas três conferências que eu participei, percebi que as pessoas estavam reproduzindo pensamentos que não lhes pertenciam. Pior que isso, nem haviam parado para pensar no que aquelas coisas significavam.

Eu vi e vivi cenas absolutamente absurdas nas três conferências. Na Conferência Nacional de Juventude (logo eu, que daqui a dois anos terei 50) vi uma invasão de jovens cristãos, conservadores, caretas, intolerantes, fundamentalistas e vazios politicamente. Os pontos culminantes desses “vácuos mentais” puderam ser percebidos em alguns momentos das plenárias finais dessas conferências. Na de Juventude, foram dois momentos: na discussão sobre o aborto e na discussão sobre a Hidroelétrica de Belo Monte. Nos dois momentos, a juventude cristã fez questão de mostrar que estava contra os direitos humanos de mulheres e dos povos indígenas. E todos(as) – eu disse todos(as) –achavam aquilo perfeitamente normal.

Na Conferência Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres a situação foi mais tenebrosa ainda. Eu vivi uma situação ridícula no estande em que eu estava. Eu distribuía dois materiais: o jornal “Sinpro Mulher”– uma publicação da Secretaria de Políticas para a Mulher Educadora do Sindicato dos Professores e Professoras do DF – e um folder da Campanha do Laço Branco (Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres). Fui ao banheiro e, quando voltei, havia uma mulher no estande. Sem falar nada, coloquei-me no lugar que eu estava ocupando antes. Ela começou a sugerir que aquele não era o meu lugar e, de uma maneira bem educada, eu lhe disse que aquele estande estava sendo utilizado por duas instituições e uma delas era o Sinpro-DF. No final da minha frase, eu toquei no ombro dela, num gesto carinhoso. A reação daquela mulher foi impressionante. Ela disse: “não faça isso, rapaz”, de uma maneira ríspida. Eu imediatamente lhe pedi desculpas, mas solicitei que me deixasse fazer o meu trabalho em paz. Ou seja, quem estava no lugar errado era ela.

Essa situação me fez ver que a paranóia de algumas pessoas com relação ao toque, ao carinho e ao controle do próprio corpo alcança dimensões desastrosas. Logo após essa situação, as mulheres lésbicas realizaram o melhor ato político cultural daquela conferência, que foi tirar a parte de cima de suas vestimentas, tocar e cantar o refrão de uma música: “a carne mais barata do mercado é a carne negra”. Os olhares de reprovação das outras mulheres e em especial dessa que me fez a grosseria eram mais do que evidentes. Eram sintomáticos. E pensar que há quase um século as mulheres foram às ruas para queimar seus soutiens e mostrar que a liberdade é uma atitude radical. Nessas horas eu me pergunto: avançamos em que sentido? Em termos tecnológicos podemos ter avançado sim, mas e intelectualmente? Humanitariamente? Como diria Krishnamurti, a ciência e a tecnologia evoluíram, mas o homem continua ignorante de si mesmo e escravo histórico do poder instalado. Em outras palavras, humanamente falando, as pessoas não conseguem avançar e a maioria delas acha que é assim que as coisas funcionam.

A percepção que essas pessoas têm da vida é o que não lhes permite ir além do que é possível ou do que lhes está posto como verdade. Basta um pastor ou um padre dizer a esses jovens e a essas mulheres que “o demônio habita o corpo e a mente das feministas e dos indígenas”, que toda a reflexão feita a respeito da ampliação de direitos desaparece. Esse é o cenário terrível das Conferências Nacionais, onde se misturam conceitos e valores. Depois da manifestação das mulheres lésbicas, eu escutei frases muito preconceituosas e conservadoras, do tipo: “como elas podem exigir respeito desse jeito?” ou “eu não vim aqui para ver essas fanchonas mostrando o peito pra todo mundo, me agredindo moralmente com isso”. Deu vontade de perguntar: mas senhora veio aqui para o que mesmo? Recuei, pois talvez fosse mal interpretado naquele momento. A crise de percepção é bem mais ampla do que as pessoas possam imaginar.

Esse “fazer político” defendido por muitas pessoas que se dizem de esquerda me dá ojeriza, pois ele destrói o pouco de avanço conseguido até aqui. De nada adiantou o esforço de Gilberto Gil e Juca Ferreira em terem acabado com o famoso “balcão de FHC”, no Ministério da Cultura. Pouco adiantou o esforço de Celso Amorim, no Ministério das Relações Internacionais, ao se recusar a continuar explorando a Bolívia e o Equador. Esses atos de bravura foram completamente suplantados pelos acordos feitos com empresários do agronegócio e com a bancada evangélica. As propostas de defesa de direitos são poeira, se comparadas com os acordos políticos entre PMDB e PT, para salvar esse ou aquele político da tal base aliada. Aliada de quem?

E qual era a preocupação de algumas lideranças na Conferência LGBT? Eu digo: o orçamento da Secretaria de Direitos Humanos, do Ministério da Cultura e do Ministério do Turismo, entre outros. São esses ministérios que bancam projetos de várias ONGs pelo Brasil afora, assim como as paradas do orgulho LGBT (que se transformaram no maior acordo comercial feito com grandes empresários, com a anuência de ONGs e governo). Aliás, alguém pode me explicar o significado da palavra “N” nesta sigla? Outra pergunta: qual é mesmo a preocupação real dessa militância? Volta-se ao que foi colocado como questionamento inicial, ou seja, o que querem as pessoas nessas conferências? A quantidade de questões é imensa e isso tudo só é confuso para quem não consegue perceber a conexão que existe entre todas as coisas citadas aqui.

Crítica ao modelo capitalista? “Isso é coisa de gente que não entende a evolução da política”, como dizem alguns militantes metidos a intelectuais de esquerda, que sequer conseguem disfarçar seus mergulhos para a direita. Ter participado dessas três conferências nacionais deu-me um excelente panorama do movimento social e sua relação com o Estado. Foi possível constatar, entre outras coisas que, para alguns militantes, essa condição foi um bom investimento; seja nos cargos que conseguiram assumir (e seus DAS maravilhosos), seja nos financiamentos de projetos por parte do Executivo Federal. Esse movimento social cooptado só faz a critica – sempre comedida – às ações do Executivo quando lhe é conveniente.

Essa talvez seja uma das maiores vitórias do Capitalismo: fazer com que a consciência humana perdesse o senso crítico e, com isso, sustentasse a visão mecanicista do mundo, na qual o ser humano é visto como parte de uma engrenagem e impedido de ter iniciativa, sob o risco de comprometer o funcionamento de um sistema. Esse “trabalho”, vale lembrar, não é sustentado por trabalhadores do campo e da cidade. Ele é mantido e fortalecido por coisas pensantes – res cogitans – que fizeram uma opção voluntária. É muito fácil acabar com a crítica ao modelo de exploração que há séculos vem condenando à morte milhares de pessoas. Basta pagar um bom salário para os intelectuais “frágeis”, transformando-os em defensores das mudanças indispensáveis para o sistema, dando a essas mudanças uma aparência de evolução inevitável e necessária, criando argumentos que tentam eliminar as verdadeiras necessidades das pessoas.

O movimento social, ao aceitar esse jogo perverso, passa a preocupar-se com o fragmento do problema, uma pequena parte da máquina, no sentido de reajustá-lo e fazer com que o sistema continue a funcionar da maneira como está. Essa visão mecanicista também impede o sujeito de perceber que a engrenagem está ali, daquela maneira, para usá-lo ate o momento de considerá-lo obsoleto. Apesar de reconhecer toda a genialidade de René Descartes e sua importância para o pensamento científico moderno, sou obrigado a admitir, na mesma medida, o desastre de seu método analítico, que afirmava que tudo no mundo material poderia ser explicado em função do movimento de suas partes e, portanto, governado por leis matemáticas – exatamente como uma máquina.

Essa relação perversa entre o movimento social e o Estado expõe a falha estrutural, mas essa condição é percebida apenas por alguns poucos insurretos, que terão suas vozes caladas pela grande máquina, ou pelo “grande pai”, conforme a conveniência de alguns sistemas políticos e econômicos. Um bom exemplo disso foi o debate sobre o PLC 122/06 e as mudanças propostas por parlamentares identificados como esquerda e direita (juntos). O objetivo deixou de ser a criminalização da homofobia, mas a aprovação do projeto sob a égide da possibilidade dentro do sistema. Mudou-se tanto o projeto que ele foi completamente descaracterizado. Ainda assim, a quantidade de pessoas que defendiam as mudanças com argumentos pseudoesquerdistas era impressionante.

Nesse sentido há de se perguntar: para que servem essas Conferências Nacionais? Qual será a real aplicabilidade das ações propostas por esses fóruns? Na Conferência Nacional LGBT havia um grupo grande de “militantes” do PSDB, da chamada Diversidade Tucana. Alguém acredita que essas pessoas estavam mesmo interessadas em mudar a estrutura opressiva e assassina? Alguém acredita que essas pessoas querem fazer alguma coisa? No entanto, elas estavam lá, representando essa parte do movimento social, que sempre tem como resposta às indagações feitas de forma crítica a mesma frase: “não é bem assim...”. E é como?

A juventude candomblecista, as lésbicas feministas radicais com os seios à mostra, as consciências críticas LGBT que não se deixam silenciar (menos os que viram socialistas por conveniência), os intelectuais solitários e perseverantes, não podem deixar de existir nesses espaços, bem como fora deles, por mais maquiados que esses fóruns possam ser. O papel desses segmentos é o de fazer exatamente o que não é permitido: pensar.Analisar as situações de maneira crítica e, ao mesmo tempo, passional. Não na medida do possível, mas na medida do que é justo e necessário. Não pela oportunidade de "se dar bem" de alguma forma, mas pela ampliação dos direitos coletivos e valorização da vida.

O segredo da felicidade

Olá, Companheir@s!


Após um loooonnnngo recesso, estamos de volta ao debate. Postarei, inicialmente, algumas impressões das Conferências Nacionais realizadas em dezembro (Mulheres, LGBT e Juventude).


Um grande abraço!