domingo, 18 de setembro de 2011

A cor da pele ainda distancia os brasileiros, apesar de melhorias


Por Juliana Braga e Renata Mariz - Correio Braziliense
Joyce formou-se em Pedagogia na UnB, onde aprendeu a valorizar a sua raça: "Tive contato com a desmistificação da beleza padrão".

Ter sido aluna de escola pública não fazia de Joyce Vieira de Castro Marra, 26 anos, uma minoria representativa dentro da universidade. O que mais tornava rara a presença da aluna de pedagogia na instituição federal que cursou era a cor da pele. Formada em 2008, quando 7,7% dos negros alcançavam o ensino superior no Brasil, a atual professora representa um avanço nas políticas de igualdade racial no país. Isso porque 20 anos antes apenas 1,8% dos negros cursavam uma faculdade. Apesar do aumento no acesso à educação, a disparidade em relação aos brancos ainda assusta.

Essa é uma das conclusões de um estudo apresentado ontem pela Organização das Nações Unidas (ONU) na Comissão de Legislação participativa da Câmara dos Deputados. Organizado em parceria com o Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas (Laeser) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Relatório das Desigualdades Raciais no Brasil 2009-2010 analisa como garantias constitucionais, como educação, saúde e previdência social, têm chegado a negros e brancos no país. E alerta: a desigualdade no Brasil diminuiu, mas ainda continua grande.


“O país avançou muito na universalização do ensino, por exemplo, mas a educação ainda chega de forma diferente para brancos, pardos e negros”, destaca a pesquisadora do Laeser Irene Rossetto. Ela usa dados para exemplificar a constatação. Em 1988, ano em que a Constituição Federal foi aprovada, 20% das crianças com 6 anos não frequentavam a escola. Essa taxa hoje é de apenas 6,4%. Analisando mais de perto o cenário, entretanto, é possível ver a diferença. Enquanto 4,8% das crianças brancas nessa faixa etária estão fora da escola, 7,5% das crianças pretas e pardas encontram-se nessa situação.



Mesmo entre os que têm acesso ao ensino há disparidades. Quando considerada a taxa de adequação, se o estudante está na série indicada para a sua idade, os negros continuam atrás. De uma forma geral, entre os jovens com 15 a 17 anos que deveriam estar no ensino médio, a taxa é de 34%. Se consideramos apenas os brancos, fica em 26,2%. No caso dos pretos e pardos, 20,1%.



Irene Rossetto destaca que os problemas atingem todas as etnias, mas alcançam de forma mais acentuada os negros. “A qualidade desse ensino é diferente. Até a estrutura e a segurança das escolas onde estudam (os negros) costumam ser inferiores”, analisa. Segundo ela, é fundamental que sejam aplicadas políticas afirmativas para reduzir ainda mais as desigualdades. “É preciso levar em conta que os negros partem de posições iniciais muito diferentes devido à dívida histórica que carregam. É preciso ter políticas que garantam não apenas cotas de participação, mas uma mudança no olhar, para que passem a ser vistas as limitações específicas”, defende.



Estar na universidade propiciou que Joyce tivesse essa nova perspectiva. Para ela, ter cursado a universidade garantiu não apenas uma profissão, mas o reconhecimento de sua raça. “Antes, eu achava que era morena. Foi na faculdade que tive contato com a desmistificação da beleza padrão”, explica. Quanto a eventuais episódios de preconceito, a pedagoga não dramatiza. “Não gosto dessa coisa de mania de perseguição que alguns têm. Nunca fui impedida de entrar em algum lugar ou coisa do tipo. Mas a gente sente a discriminação de uma forma mais sutil”, lembra. “Quando alguém perguntava onde eu estudava e eu dizia que era na Universidade de Brasília, as pessoas se assustavam e perguntavam como eu tinha conseguido.”



Segundo Rebeca Tavares, representante da ONU Mulher, o relatório é um primeiro passo para diagnosticar a situação do país, mas ela afirma que a caminhada ainda é grande. “Sem o diagnóstico, é impossível propor políticas públicas que possam resolver o problema. Mas é preciso ser mais incisivo para acabar com o preconceito, ainda forte, persistente e universal”, avalia.

Baseado na Magna Carta
Esta é a segunda edição do Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil. Ele compila e analisa dados oficiais de órgãos como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O novo número analisou como a Constituição de 1988 influenciou a evolução das desigualdades, já que, do ponto de vista social, ela é considerada progressista. Um de seus princípios fundamentais é “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”

Em queda
As disparidades raciais têm diminuído no Brasil, mas continuam grandes, segundo documento divulgado ontem  pela Organização das Nações Unidas (ONU)

Jovens entre 18 e 24 anos que frequentam a universidade
Em 1988 » 7,7% dos brancos» 1,8% dos pretos e pardos
Em 2008 » 20,5% dos brancos» 7,7% dos pretos e pardos

O aumento do acesso à universidade foi de 165,9% para brancos e de 321,6% para pretos e pardos

Jovens entre 15 e 17 anos matriculados no ensino médio
Em 1988» 57,5% dos brancos» 51,8% dos pretos e pardos
Em 2008» 86,6% dos brancos» 82,3% dos pretos e pardos

Jovens entre 15 e 17 anos que frequentam a série adequada para sua idade em 2008
» 34% dos brancos» 20% dos pretos e pardos

Fonte: Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2009 – 2010


Mais difícil para as negras

O relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) também traz recorte atento às diferenças de gênero. As disparidades ganham força em ocupações e salários. De acordo com Rebeca Tavares, da ONU Mulher, as negras são as que mais exercem atividades sem carteira assinada e a diferença de salário entre elas e os homens brancos chega a 33% no país.
Além disso, mulheres negras têm menos acesso aos serviços básicos de saúde. Em relação às brancas com mais de 25 anos, 23% nunca fizeram um exame clínico de câncer de mama, também conhecido como exame de toque.


Entre as mulheres negras, esse índice é de 37,5%. A pesquisadora do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas (Laeser) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Irene Rossetto explica que a diferença não está relacionada à falta de informação.



“Se analisarmos o recorte por nível de instrução, 15,7% das pretas e pardas com a mesma faixa etária que cursaram nível superior nunca fizeram o exame, enquanto somente 8,3% das brancas com nível superior não tiveram acesso a ele”, detalha. 



As diferenças atingem até o índice de mortalidade materna. Com relação às brancas, a taxa é de 40,4 óbitos a cada 100 mil; entre as negras o número sobe para 67,2. Para Rebeca Tavares, o problema começa nas profissões exercidas. “São elas (as negras) a maior parte das trabalhadoras domésticas e informais. Sem ter carteira assinada, não têm acesso à Previdência”, avalia. 



O valor dos benefícios pagos pela Previdência Social ilustram a situação. Enquanto o valor médio repassado a mulheres negras e pardas é de R$ 562,64, para homens brancos é R$ 1.187,17, mais do que o dobro. A diferença, se levadas em conta as brancas, também é grande, mas menor. Nesse caso, a média é de R$ 832,02. (JB)

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