Bom, eu achei que o meu texto de reestreia no Vestiário seria uma coisa mais light, algo sobre “que diabos a Xuxa ainda quer na televisão” ou “o valor popularesco do Esquenta, de Regina Casé”, mas não. Fica para a próxima. Tão cedo e já é hora de “Big Brother”.
Eu bem tinha me disposto a me envolver cada vez menos com a programação televisiva, principalmente no que diz respeito a tudo que tenha no mínimo uma década ininterrupta no ar – e não acredito que seja esse episódio que me fará mudar de ideia, mas, ao contrário do que muitos pensam, merece sim atenção. Gostemos dele ou não, é um programa massivamente assistido, em horário nobre. Digno ou não de nossa atenção ou respeito, é através dele (embora contra a sua vontade) que está se dando uma importante (mas não única) chance de levantar mais questões sobre o machismo, sobre abuso, sobre direitos e sobre informação.
E vou pular a introdução ao tema porque todos já estão carecas de saber.
A chuva de argumentos desqualificadores do caso é tão espantosa, que primeiro dá vontade de rir, depois de chorar. Na coluna dos mais nojentos está o cordão dos “quem mandou beber demais?”, “se ela não queria, por que deixou?”, “impossível não sentir a p****a do negão entrando” e, PASMEM!, “queria ver o que as menininhas iam dizer se fosse o Jonas na cama com ela”.
Essas pessoas não sabem com o quê estão brincando. Na boa, é de arrepiar que alguém ainda considere a mulher responsável por qualquer tipo de abuso sexual sofrido; que uma pessoa desacordada, sob efeito de muito álcool seja mesmo capaz de discernir o que acontece ao seu redor; ou que uma bulinação sem consentimento seria menos desagradável se cometida por um loiro-de-olhos-claros. BALDE! E o mais chocante é que a maioria dessas pessoas ou já passou por uma situação alcoólica semelhante, ou já precisou ajudar alguém nessa situação. Mas é na televisão, é no BBB, eles estão lá para dar show mesmo, então não merece nossa indignação.
Depois de ler várias coisas sobre isso durante o dia, foi inevitável me deparar com muitos textos que citavam o Código Penal e os termos ora específicos, ora vagos, que qualificam ou não estupro, abuso de incapaz, etc e tal, e sobre o quais eu sou suficientemente responsável para não me aprofundar, por não entender do riscado.
Eu só acho que o vídeo é muito claro com relação ao fato de que a moça está inconsciente e não esboça nenhuma interação com o rapaz; e que, depois da explosão do axé music nos anos 90, é impossível alguém não saber o que significa esse movimento de vai-e-vem dos quadris, essa sensualização pélvica executada tão enfaticamente no vídeo. O ato, dentro das condições expostas, é no mínimo desrespeitoso e, justamente por deixar tantas brechas, está sendo conduzido de maneira absurda pela direção do programa (o que não chega a surpreender, mas é preciso ressaltar).
Boninho chama para prestar esclarecimento justamente a pessoa que estava inconsciente, e quando ela diz que “não rolou sexo, e tudo que rolou foi consensual” está se referindo exclusiva e obviamente à parte que ela lembra. Tão logo sai do confessionário, a própria mostra-se surpresa e insegura quanto aos questionamentos e vai perguntar ao próprio Daniel o que foi que rolou, ao que ele responde “dois estalinhos e uma alisada”.
É aí que eu quero chegar: não é isso que o vídeo mostra, Daniel está mentindo e não foi sequer chamado ao confessionário, logo ele que era a parte consciente na situação. Além do mais, pediu que Monique não ficasse comentando sobre o assunto com os outros participantes e usou a tática brilhante da psicologia reversa: eu fico de mimimi dizendo que a edição vai me queimar e, só para não me dar razão, a edição não me queima.
O vídeo é retirado do ar e o Mister B. pretende encerrar o assunto com a premissa de que a maior interessada no assunto é Monique e, se ela não se queixou, ninguém pode se queixar. Mas ela não se lembra. E ninguém vai mostrar o vídeo a ela. E não será feito nenhum exame.
E ninguém pode falar nada porque o BBB é a Worderland da baixaria e não merece indignação nenhuma porque quem está lá é para isso mesmo. É igual ao índio que dormiu no ponto do ônibus para isso mesmo. É igual à prostituta que está na rua para isso mesmo. É igual à moça que usa roupa curta para isso mesmo.
O mais irônico disso tudo, é que a chamada comercial que a Globo utilizou para promover o episódio de ontem (“hoje é o dia da primeira festa no BBB12”) trazia justamente uma frase de efeito do Daniel: “hoje é o dia que a bebida entra, e a verdade sai”. Sair, até sai, Daniel. O difícil é levar para frente.
FERNANDA MONTEIRO É COLUNISTA DO SITE VESTIARIO.ORG
FERNANDA MONTEIRO É COLUNISTA DO SITE VESTIARIO.ORG
Assim a autora se descreve: "Apaixonada por samba, sushi, sossego e amores impossíveis. Adora escrever onde não é chamada e, para todas os outras dores, existe cerveja."
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ResponderExcluirVejo que o BBB, hoje expressamente BBB12 sempre trouxe em sua base uma maior preocupação em mostrar o corpo, principalmente se esse reflete bem o perfil europeu, basta perceber a pele e o jeito de ser dos selecionados (as). Essa constatação coloca em destaque aspectos étnico-raciais, mas não invalida nem deve escamotear a dinâmica do BBB que não tem dinâmica e questões de gênero imbricadas nesse processo de discussão.
É fato real que o BBB paralisa a mente humana, o que dificilmente consegue fazer com os corpos. Se o corpo se dissocia da mente, o que faz muito bem o BBB pode-se perceber o que já é óbvio: BBB não ajuda a pensar, mas a beber, dormir juntos a qualquer custo, competir desenfreadamente na busca de dinheiro e fama, tudo isso passando por cima da ética do respeito, do valor humano e do pensar que medita.
Penso que o caso envolvendo possível estupro deve ser bem avaliado considerando várias dimensões: jurídica, ética, etnia\raça e gênero. Não acredito que a busca de culpados solucione o problema, mas acredito que o fim do BBB pode ser uma solução. O BBB não é um programa educativo, mas profundamente alienante, porque exibe o corpo como ferramenta de troca: quem vê BBB paga pelo que vê, mas não vê a alma do BBB, porque blindado por mecanismos ideológicos latentes.
Ao soltar os cachorros atrás do suposto estuprador, deixa-se de lado o espaço provocador das sensibilidades, se podemos chamar as manifestações corporais do BBB de sensibilidades. É preciso perguntar: o que de fato aconteceu?, Quem deve ser responsabilizado (a)? Qual rumo deve tomar o BBB na condição em que sempre se encontrou: paralisante da mente humana?
Cristino C. Rocha